No mundo inteiro ninguém mais quer saber de agrotóxicos. Tanto que muitos países vêm restringindo o uso, proibindo diversos produtos e dando prazo para o banimento de muitos outros. A França vai banir o glifosato, o mais vendido no planeta, porque pesquisas confiáveis mostram que a substância é causadora de vários tipos de câncer. Fora outras doenças graves. Os brasileiros também não querem mais.
A procura por alimentos orgânicos é crescente e o consumo só não é maior porque a oferta ainda é pequena. Com poucas feiras, a maioria localizada em regiões mais nobres, e o preço maior que os comuns nos supermercados, a comida saudável, livre de venenos, ainda é coisa de elite. Outra demonstração do repúdio aos agroquímicos é a coleta de 100 mil assinaturas em apenas uma semana por meio da plataforma digital #ChegaDeAgrotóxicos.
Como muitos países estão banindo esses produtos, os fabricantes querem aumentar as vendas no Brasil, que é o maior mercado consumidor. Para isso, encomendaram aos políticos financiados por eles a revogação da legislação atual e a aprovação de uma nova, desenhada para facilitar o registro de novos produtos, inclusive perigosos e proibidos em outros países, aumentando assim as vendas.
Essa mudança será por um conjunto de 27 projetos de Lei apensados, que ganhou o apelido de “Pacote do Veneno”, e que acabou compilado em um substitutivo do deputado ruralista Luiz Nishimori (PR-PR), relator da comissão especial criada para analisar os projetos. O substitutivo deve ser votado nesta quarta-feira (16), em reunião da comissão, onde os ruralistas são maioria. Se for aprovado, segue para o plenário, com enormes chances de aprovação. A bancada ruralista, diretamente interessada, é maioria também no Congresso.
Mais venenos
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Se fosse dividir o total consumido pelo número de habitantes, daria perto de sete litros para cada um todo ano. A tendência é de aumentar muito mais esse consumo, já que todas as regras serão modificadas justamente para acelerar o registro e aumentar as vendas. O pacote permite a aprovação de novos produtos com base em estudos realizados em outros países, apesar das diferenças entre as condições ambientais. Por outro lado, não proíbe aqui o que foi proibido em outros países. Por mais liberdade de ação, o pacote retira o Ministério do Meio Ambiente e o da Saúde, por meio do Ibama e da Anvisa, da edição ou propositura de normas, inclusive o processo de reavaliação. Tudo isso passa a ser controlado pelo Ministério da Agricultura, cujo ministro, Blairo Maggi, é autor de um dos projetos de lei que compõem o pacote. A avaliação sobre questões toxicológicas e ecotoxicológicas e o monitoramento da quantidade de resíduos de agrotóxicos nos alimentos, também deixam de ser responsabilidade da Anvisa. Se atualmente a quantidade de resíduos encontrada já é muito maior do que a permitida por lei, imagine quando o país aumentar ainda mais o uso desses produtos.
Mais intoxicações
A ausência da Anvisa em processos de avaliação e reavaliação toxicológica, e a possibilidade de registro e comercialização de produtos ainda mais perigosos devem aumentar o risco de populações de trabalhadores da agricultura. Moradores de áreas rurais, alunos de escolas rurais pulverizadas, animais, todos estarão ainda mais expostos. Mesmo na cidade, serão afetados consumidores de água contaminada e de alimentos banhados com esses produtos.
Futuro intoxicado
A saúde de futuras gerações estará seriamente comprometida. Muitas crianças serão envenenadas, inclusive aquelas que ainda nem nasceram. No útero de suas mães já estarão recebendo partículas de agrotóxicos, principalmente agricultoras. Isso porque o trabalho de gestantes em ambientes insalubres, como em meio a pulverizações, passaram a ser permitidos pela reforma trabalhista do governo de Michel Temer, que agora trabalha pela aprovação do pacote.
Perigo ocultado
O perigo dos agrotóxicos será escondido da população, conforme o pacote. Mudanças na rotulagem deverão excluir a caveira, que mesmo crianças e pessoas sem leitura conseguem associar à ideia de um produto perigoso e mortal. E o nome agrotóxico, que consta inclusive da Constituição federal, será substituído por “defensivo fitossanitário”. Um nome pomposo para tentar esconder a toxicidade é uma característica inerente à grande maioria dos produtos destinados ao controle de pragas. Com esses produtos altamente tóxicos passando a ser tratados como meros insumos agrícolas, a perspectiva é de, no mínimo, o aumento de ingestões acidentais de substâncias altamente perigosas e mortais.
Trabalho mortal
A mistura de diversos produtos tóxicos – a chamada calda – que é feita hoje em diversas propriedades à revelia da lei, será legalizada. O grande problema é que a mistura de determinadas composições químicas pode resultar em novas formulações que não foram testadas pelos órgãos reguladores. É possível que os trabalhadores sejam expostos a altos graus de toxidade não identificados, o que viola o princípio da precaução.
Nefasto
O pacote propõe a avaliação do risco pelas próprias empresas interessadas no registro de agrotóxicos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, que provoquem distúrbios hormonais ou danos ao aparelho reprodutor. Isso é praticamente o mesmo que dizer que será permitido o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins mesmo que contenham substâncias que, segundo estudos, têm capacidade de causar mutações celulares que levem a malformações fetais e câncer. Pela lei atual, a “identificação do perigo” em causar mutações e câncer é suficiente para impedir o registro. A exposição aos agrotóxicos causa ainda intoxicações agudas e crônicas, que levam à infertilidade, impotência sexual, aborto, danos ao sistema nervoso central, como distúrbios cognitivos e comportamentais, e desregulação hormonal com impacto no crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Vida em risco
O meio ambiente também será duramente afetado. O aumento do uso de agrotóxicos tem levado ao desaparecimento de abelhas, que participam da polinização de mais de 70% das espécies vegetais. Sem abelhas, a reprodução da flora e a produção de alimentos são duramente prejudicadas. O pacote não define os fundamentos do gerenciamento de risco, como mitigação e controle. Essa prevalência do interesse econômico ou político em detrimento da segurança ao ser humano e ao meio ambiente contraria a Constituição, segundo a qual é do Poder Público o exercício do controle sobre a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. Ou seja, o controle desses produtos pelo Poder Público deve ter por finalidade primordial a proteção da vida, da qualidade de vida e do meio ambiente. Por isso o Ibama destaca em parecer: “Não pode o Estado renunciar aos seus mecanismos de avaliação e controle prévio de substâncias nocivas ao meio ambiente contentando-se apenas como o ato homologatório de uma avaliação conduzida pelo particular, distante do interesse público”.
Pragas futuras
O pacote legaliza o “receituário de gaveta”. É como se o agrônomo tivesse uma bola de cristal onde enxergar uma praga que no futuro poderia vir a afetar a lavoura e prescreve agrotóxicos “de maneira preventiva”. Ou se o médico receitasse um medicamento, sem exames, para um paciente que não conhece e que ainda nem ficou doente. Com isso o agricultor fica livre para comprar agrotóxicos à vontade e contaminar o solo e a água por muito mais tempo.
Menos saúde, menos educação
O pacote trará ainda mais prejuízos aos cofres públicos. Historicamente subfinanciado, o SUS passará a ter gastos ainda maiores só com as doenças causadas pelo uso de agrotóxicos mais perigosos. A Previdência também terá mais gastos extras com aposentadorias por invalidez e, para compensar, o governo terá de tirar recursos de outras áreas, como educação e meio ambiente, por exemplo. Outra perversidade do pacote é que, ao mesmo tempo que impõe perdas ao país, à saúde e ao meio ambiente, vai ampliar os lucros das empresas que contam ainda com os incentivos fiscais do próprio governo. Há estimativas de que o país perca todo ano, por baixo, R$ 1,3 bilhão. Só em São Paulo, em 2015, a renúncia fiscal foi de R$ 1,2 bilhão. Ou seja, o setor recebe do estado para envenenar seu povo. Uma outra distorção do pacote, inconstitucional, é alterar o Pacto Federativo. Mesmo que estados, municípios e o Distrito Federal queiram fazer legislação própria para garantir proteção à sua população, não poderão.
Fonte: CUT